segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Restos a pagar, truques fiscais e orçamento paralelo

Existe alguma forma de o governo adiar despesas e inflar, artificialmente, o resultado primário? Sim, existe e a maneira de fazer isso é pelo uso do que se chama na contabilidade fiscal de Restos a Pagar, quando o governo simplesmente atrasa o pagamento de um serviço ou investimento que já ocorreu (despesa já foi liquidada) ou posterga o reconhecimento de um serviço para adiar o seu pagamento.
(1) Entendendo restos a pagar (RAP): O gasto público passa por várias fases: gasto planejado, autorizado, empenhado, liquidado e pago. Quando a despesa pública é liquidada, significa que o serviço que deu origem a esse gasto já foi efetuado e reconhecido pelo ordenador de despesas, faltando, apenas, o desembolso efetivo do dinheiro. É justamente esse tipo de despesa (liquidada mas ainda não paga) que dá origem aos Restos a Pagar Processados (RAP processados).
Já no caso de Restos a Pagar Não Processados (RAP não processados), a despesa foi planejada, autorizada e empenhada, mas o ordenador de despesas ainda não reconheceu a prestação do serviço ou a execução do investimento. Ou seja, o gasto ainda não foi liquidado nem pago.
(2) Como os RAP podem ser utilizados para, artificialmente, inflar o resultado primário? De duas formas diferentes. Primeiro, quando a despesa já foi liquidada e o governo propositadamente posterga o pagamento (aumenta RAP processado) ou o ordenador de despesas atrasa o reconhecimento de um serviço já prestado ao governo ou de um investimento já executado (aumento do RAP não processado). Em 2003, metade do crescimento do superávit primário veio da postergação de despesas já liquidadas (RAP processado) que foram pagas apenas no ano seguinte.
No entanto, o problema maior nos últimos anos é o que vem acontecendo com o saldo dos RAP não processados. Antes de 2006, o saldo dessa conta flutuava, em alguns anos aumentava, em outros diminuía, e a execução do pagamento desse tipo de despesa ficava na média em R$ 7,4 bilhões (média de pagamento dos RAP não processados de 2003 a 2005). Acontece que desde 2006 essa conta disparou e, em 2010, foram pagos R$ 44,2 bilhões referentes a despesas empenhadas em 2009 e, neste ano, o saldo dos RAP não processados inscritos é de R$ 103 bilhões.
Apenas no item “investimento’’, o montante de despesas empenhadas em 2010 que deixaram para ser executadas em 2011 foi de R$ 48 bilhões, valor igual ao investimento pago de 2010 do orçamento da união (exclui estatais).
(3) Mas se o governo mais cedo ou mais tarde terá que pagar essas despesas que foram adiadas, qual a vantagem dele postergar o pagamento, ou seja aumentar o saldo dos restos a pagar ?
O governo faz isso porque ganha tempo, aumenta o primário em um ano ou mascara a sua queda por dois motivos: (1) o governo já trabalha com uma redução do resultado primário para o ano seguinte; ou (2) quando o governo projeta um aumento de receita, no futuro, suficiente para pagar parte das despesas que são postergadas para o exercício fiscal do ano seguinte.
Caso nenhum desses casos venha a ocorrer, o governo passa então a deslocar parte do orçamento deste ano para o ano seguinte e, assim, sucessivamente, para poder pagar as despesas do ano anterior. Isso vai criando uma bola de neve que só termina ou com redução do primário ou com aumento de receita para pagar essas despesas. Acredito que esse jogo perigoso vem acontecendo no Brasil desde 2006 e temos hoje quase que a execução de um orçamento paralelo que está longe de ser insignificante (ver abaixo a execução dos RAP não processados).

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