No Estadão:
O governo resolveu fazer caixa com o dinheiro alheio, retendo a devolução do Imposto de Renda pago a mais pelos contribuintes. Está usando esse truque para atenuar o efeito da gastança federal num ano de crise. Em termos mais simples, decidiu meter a mão no bolso dos outros para compensar a própria irresponsabilidade financeira. A lambança começou em junho, quando foi liberado o primeiro lote de restituições, e ninguém sabe quando terminará. No ano passado foram devolvidos R$ 5,6 bilhões até setembro. Neste ano, apenas R$ 4,3 bilhões. O quinto lote, prometido para 15 de outubro, deverá ser de R$ 1,1 bilhão - R$ 300 milhões a menos que o lote correspondente em 2008. Tudo isso é normal, segundo o ministro da Fazenda, Guido Mantega. Ele nem sequer descartou a hipótese de ficar para o próximo ano uma parte da devolução. "Não há regra rígida sobre isso", limitou-se a comentar. Segundo o ministro, não haverá perda para o contribuinte porque o valor devolvido com atraso será corrigido pela Selic, a taxa básica de juros. Além de ser ridículo, o argumento denota uma escandalosa falta de respeito aos contribuintes. Quem tiver tomado empréstimo bancário para pagar com a restituição terá um sensível prejuízo. Os juros devidos ao banco serão bem maiores que a taxa Selic. Mas esse não é o único problema. É direito do contribuinte, quando credor do governo, receber seu dinheiro no prazo estipulado pelo próprio Fisco. A violação desse prazo interfere na vida das chamadas pessoas comuns, as mais indefesas diante das arbitrariedades de quem exerce o poder público. Quantos desses contribuintes precisariam desse dinheiro para resolver um problema de saúde ou para realizar qualquer outra despesa essencial ao seu bem-estar? Mas nem deveria ser preciso formular perguntas como essa. Sejam quais forem os seus objetivos, as pessoas têm simplesmente o direito de receber no prazo normal o dinheiro devido pelo governo. Cabe a cada um decidir se esse dinheiro será usado para cuidar da saúde ou para comprar uma roupa da moda. É só uma questão de direito, mas esse ponto parece ultrapassar a compreensão do ministro da Fazenda. O ministro abusa da inteligência alheia também ao mencionar a crise para justificar mais esse assalto ao contribuinte. Segundo ele, a arrecadação tem sido mais baixa, "tem sido um ano de ajuste" e, portanto, talvez a restituição demore. De fato, a arrecadação tem sido menor que a do ano passado, porque houve retração econômica e, além disso, o governo concedeu incentivos fiscais a alguns setores. Mas não houve nenhum ajuste nas contas públicas. Ao contrário: de janeiro a agosto a receita do governo central foi 1,5% menor que a de um ano antes, em termos nominais, mas a despesa foi 15,9% maior. São números divulgados pelo Tesouro Nacional. Os gastos com pessoal foram 19,1% superiores aos de igual período de 2008, principalmente por causa da elevação de salários do funcionalismo. Mas esses dados ainda são insuficientes para mostrar como o governo desperdiça o dinheiro público. Uma comparação mais instrutiva foi preparada pelos especialistas da organização Contas Abertas, com base em números oficiais. Nos 12 meses anteriores ao agravamento da crise internacional - de outubro de 2007 a setembro de 2008 - foram gastos R$ 135 bilhões com pessoal e encargos sociais dos Três Poderes e R$ 25,3 bilhões em obras e compras de equipamentos. Nos 12 meses seguintes - até setembro deste ano - as despesas com pessoal chegaram a R$ 162 bilhões e os desembolsos para investimentos alcançaram R$ 29 bilhões. A conta do pessoal ficou portanto 20% maior, enquanto o valor investido aumentou apenas 13%. Em tempos de recessão, a política razoável seria uma combinação de impostos menores e investimentos maiores - não uma elevação do custeio permanente. Mas o governo seguiu o caminho mais fácil, mais compatível com sua escassa competência administrativa e com seus objetivos político-partidários. Política de pessoal, no governo petista, não tem relação com produtividade e qualidade do serviço público, mas com interesses de tipo eleitoral. Se o governo recorre a um estelionato fiscal, adiando a restituição devida, não é por causa da crise, mas de seu estilo de gestão e de seus objetivos políticos. Ao contribuinte indefeso resta pagar. Tudo normal, diz o ministro da Fazenda. Normal, de fato, em governos desse tipo.
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